TIAGO ALEXANDRE DA SILVA é de 1981, nascido em São Mateus, zona leste de São Paulo, mas até os nove anos morou em Uberaba (MG) andando no meio do mato e tocando boi. Aos 15, em “Sampa”, o mais velho de quatro filhos é obrigado a interromper os estudos para ajudar a família. Mas aos 19, o menino que se considera feliz por gostar de ler, encara com “força total” o Supletivo. Na literatura da história negra, encontrou sua identidade. “Eu me descobri primeiro, pra depois descobrir as coisas”. Tiago considera o curso de Biblioteconomia, no SENAC, o início de sua transformação dentro da comunidade. “Eu sentia falta de alguma coisa, mas naquele momento nenhum amigo partilhava do mesmo sentimento.” Não esperou ninguém para ser voluntário.
Ao montar uma biblioteca em um centro educacional de São Mateus, articulou doadores, envolveu autoridades e foi referência para um presidiário em regime semiaberto que naquele mesmo momento prestava serviços comunitários como ele. “Você fala de obrigação hoje, mas futuramente você vai perceber que isso é importante pra sua vida”, afirmou ele na tentativa de responder ao colega porque estava ali voluntariamente. A mudança de espectador para protagonista se deu quando, aos 26 anos, fez com a amiga Priscila o documentário “São Mateus em Movimento”.
Tiago reviu sua origem e reconheceu nos becos e nas personalidades locais as histórias que sua mãe contava. O curta-metragem dava início ao projeto Perifacine, um dos cinco vencedores do 3º Prêmio Criando Asas (2008-2009). O projeto funciona como cineclube e tem trazido desdobramentos relevantes no processo de conscientização da comunidade. “Levamos o audiovisual como ferramenta de educação não formal, disponibilizando as obras para os educadores e gestores culturais.” Tiago, desde então, presencia mães e filhos se reconhecendo, a cultura tomando aos poucos o lugar do álcool, crianças encantadas com a primeira vez diante da telona. O menino relembra com alegria sua primeira vez no cinema, em Minas Gerais, quando assistiu “O Casamento dos Trapalhões”.
Aos 31 anos, Tiago acaba de se desligar da Fábrica de Cultura, cursa Biblioteconomia na UNIFAI – Centro Universitário Assunção e atua na área de Gestão do Conhecimento, da articulação ao incentivo à leitura. Tiago Kinzari, que significa “um ser com pernas de homem e corpo de um monstro”, é o pseudônimo que adotou por se identificar com a natureza impactante do mito angolano. Para a família tornou-se um exemplo de perseverança e de modificação. “Aprendi mais a respeitar o espaço dos outros. Você conseguir realmente ouvir as pessoas não é fácil.”
O menino que se desgarrou cedo da colmeia, como se refere ao modo de vida da família, mora há três anos com a namorada na região central da cidade, mas ainda se preocupa muito com a mãe e todas as questões que a afetam. “Quero ser uma pessoa melhor, mas mudar é aos pouquinhos”, compartilha conosco esse articulador do fazer. Tiago continua indo a São Mateus semanalmente, dando continuidade ao Perifacine que há dois anos é Cineclube e já conta com um acervo de 400 curtas metragens.
Por Maria Beatriz Alves de Araújo, 2012
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